Orgulho de ser cidadão sobralense

Quem é ou mora na cidade de Sobral, faz de tudo para mostrar o amor e o carinho pela sua terra natal
Fortaleza. Para quem é de fora, a característica mais marcante do sobralense é o sentimento de pertença em relação ao município, que chega muitas vezes a ser visto como exacerbado, quando não um indicativo de arrogância e de pretensa superioridade. Trocando em miúdos, "sobralense se acha", no dizer popular. No entanto, as ligações afetivas formadas entre os habitantes com suas cidades são bem mais complexas do que as máximas do anedotário podem comportar.

"Em qualquer município existe este sentimento de pertença da população, mas, no caso do município de Sobral, isso se tornou uma política pública a partir da mobilização pelo tombamento da cidade, no fim dos anos 90", esclarece Nilson Almino de Freitas, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e autor da tese de doutorado, "O Sabor de uma Cidade: práticas cotidianas dos habitantes de Sobral".

Percepções

Segundo ele, a pesquisa busca identificar as diferentes percepções sobre a cidade de Sobral, principalmente daqueles que vivem na periferia da cidade, e tem como objeto depoimentos orais de quem vive ali.

"No ano de 1995, quando vim de Fortaleza para cá, para trabalhar na Universidade Estadual Vale do Acaraú, uma coisa que me chamou a atenção foi essa ´sobralidade´, que, no entanto, é um conceito indefinido, impreciso. É possível perceber que esse sentimento de pertença se desenvolve a partir do lugar onde as pessoas falam. A relação de uma pessoa que mora no Centro ou que possui gerações da família vivendo aqui é diferente, por exemplo, do sentimento de quem vem de outras cidades ou vive na periferia. Nesses dois últimos casos, mesmo passando a se sentir um integrante do lugar, as ligações com o bairro e a comunidade costumam ser mais valorizadas do que com a cidade", comenta.

Na época também foi iniciada a luta para que o município de Sobral fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que deu grande visibilidade ao município e também induziu a execução de políticas públicas em prol da preservação, com restaurações e obras de infraestrutura. Porém, as "benfeitorias" realizadas na cidade no período não eram vistas da mesma forma pelos diferentes grupos sociais.

Contraste
O contraste já começa entre as margens esquerda e direita do Rio Acaraú, berço da cidade: da primeira, urbanizada e detentora de equipamentos culturais, como o Museu Madi e a Biblioteca Pública, avista-se no outro lado um bairro de periferia, o Dom Expedito, algo contraditório com a perspectiva de beleza e ordem que se tentava imprimir ao local.

"As obras de urbanização da margem esquerda do Rio Acaraú causaram muita polêmica no período, porque a justificativa da Prefeitura era a de revitalizar o espaço", disse o professor.

De acordo com ele, "antes da urbanização, havia um banco de areia nas margens e a comunidade que vivia ali utilizava o espaço como praia nos fins de semana. As lavadeiras também secavam as roupas no local. Um pai-de-santo que eu entrevistei contou que ele realizava as festas de Iemanjá na margem do rio e não concordava com a ação". Ele ainda questiona, "então, como revitalizar um espaço que era, de fato, utilizado?".

Insistência

Mesmo depois das obras, muitas lavadeiras insistem em secar as roupas no local, onde hoje há um verde gramado. E os canoeiros, com suas rústicas e simples embarcações, continuam a fazer o transporte de pessoas entre as margens do rio parcialmente perenizado, dividindo espaço com os jet-skis.

Para Nilson de Freitas, apesar das obras terem buscado contemplar a cidade como um todo, não é difícil identificar dois tipos distintos de política para o Centro e para os bairros. "No Centro, percebe-se uma preocupação com a preservação dos sobrados, dos prédios antigos e das igrejas. Na periferia, o foco é no saneamento e na organização das ruas. Não que essas ações não sejam importantes, mas e a preservação? No Bairro Terrenos Novos, existe o Açude Mucambinho, que foi construído na mesma época que o Açude Cedro como parte de ações de combate à seca de Dom Pedro II. Apesar disso, o açude não foi tombado e não há qualquer indicação da importância daquele local", lamenta o professor.

Polêmica
Outra polêmica envolveu uma das principais praças do município de Sobral, que foi reformada e ganhou novo nome. Conhecida popularmente como Praça da Meruoca, onde funcionou por muitos anos um comércio de ambulantes, a Praça General Tibúrcio foi transformada, no final de 2004, em Praça de Cuba, fruto de um Convênio de Cooperação Cultural e Científico celebrado entre Sobral e a província de Havana. Segundo Nilson, muitas pessoas criticaram a mudança de nome da praça. Dizia-se então que um herói nacional, filho da terra (General Tibúrcio nasceu em Viçosa do Ceará, estudou na "Princesa do Norte") seria preterido por um estrangeiro, no caso o poeta cubano José Martí, que ganhou uma grande escultura no centro da praça.

Para o professor da UVA, "todos esses casos demonstram que o sentimento em relação a uma cidade é bem complexo e que não há um consenso sobre essa pertença".


"ARQUITETO DE SOBRAL"
Dom José ajudou no crescimento

Fortaleza.
 Se Juazeiro do Norte tem o Padre Cícero como referência tanto religiosa quanto para a formação da cidade, em Sobral este papel coube a dom José Tupinambá da Frota. Primeiro bispo de Sobral, dom José foi responsável pela expansão e desenvolvimento da cidade a partir da introdução de equipamentos de cunho educacional, cultural e social, sendo ainda hoje bastante lembrado pelos sobralenses como o "arquiteto de Sobral".

Representantes de dois modelos distintos de atuação da Igreja Católica na formação do espaço urbano (originando, por conta disso, uma disputa de primazia entre os dois municípios que perdura até os nossos dias), a trajetória dos dois religiosos é objeto de estudo de "Cidades Sagradas: a Igreja Católica e o Desenvolvimento Urbano no Ceará (1870-1920)", tese de doutorado do historiador e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Agenor Soares e Silva Júnior.

Para Agenor Soares, além do aspecto econômico, a formação das cidades cearenses está muito ligada à atuação da Igreja Católica, já que muitas concentrações populares se formavam em torno dos templos religiosos. "Antes de dom José assumir a Diocese, já havia uma forte presença religiosa na Região Norte, principalmente de padres seculares (que não são ligados a uma ordem ou congregação). Ele representa, portanto, uma Igreja que busca se reorganizar diante da introdução do Estado laico, e que passa a atuar sob a estrita tutela de Roma. Bem diferente do Padre Cícero, que exerce uma liderança vista então como independente", pontua ele.

Segundo o historiador, à época dos "milagres do Padim" e da fundação de Juazeiro, dom José Tupinambá defendia com veemência o fim do que considerava um reduto de fanáticos e que poderia vir a se tornar uma nova Canudos, em referência à cidade fundada pelo beato Antônio Conselheiro, na Bahia. Em contraposição a um movimento de religiosidade popular, o bispo investiu na expansão da cidade a partir de uma visão europeizada, um "mini Vaticano", segundo a expressão daqueles que conviviam com o bispo à época. "Há um redimensionamento da cidade, que passa a crescer para os lados da Lagoa da Fazenda, que foi parcialmente aterrada para dar caminho ao Seminário São José, e a Santa Casa, que fica do lado oposto. Não foi difícil, já que Sobral já tinha uma característica mais aristocrática. Houve um tempo em que os recursos da Diocese de Sobral eram maiores que os da própria Prefeitura", comenta Agenor Soares.

Apesar de nunca ter participado formalmente da vida política, dom José sempre teve uma forte influência nos rumos do município e conseguiu, inclusive, fazer prefeito o afilhado, padre José Palhano de Saboia. "Padre Cícero foi o primeiro prefeito de Juazeiro, mas estava mais preocupado com a questão religiosa do que com a administrativa. Os romeiros que passaram a ocupar e viver em Juazeiro é que deram a feição atual da cidade. Em Sobral, essa expansão foi mais dirigida a partir das instituições que ele fundou". E mesmo com o caráter filantrópico de várias delas, percebe-se que é uma política voltada para o controle social, promovendo uma cultura para os "de cima".

Opositores não foram muitos, mas pelo menos um deles deu dor de cabeça ao bispo: o jornalista Deolindo Barreto Lima, que atacava a Diocese e os inimigos políticos por meio do jornal "A Lucta". O jornal chegou a ser boicotado pela Diocese e seu diretor acabou sendo assassinado em 18 de junho de 1924 por inimigos políticos. "Na verdade, a questão entre dom José e Deolindo Barreto era mais política do que pessoal, já que este era do Partido Democrata e anticlerical convicto. O fato é que dom José conseguiu imperar e manter sua posição até a morte. Os demais bispos que o seguiram não tiveram a mesma importância para os sobralenses", finaliza.


Fique por dentro 
Obras do religioso

Filho de uma família abastada, dom José nasceu no dia 10 de setembro de 1882. Estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde recebeu o grau de Doutor em Teologia e Filosofia em 1902, com apenas 20 anos de idade. Antes de se tornar bispo (a Diocese de Sobral foi criada em 1916), foi vigário da cidade durante oito anos. Permaneceu no cargo até a morte, em 1959. Durante seus 43 anos de bispado, trabalhou principalmente na fundação de instituições e obras de beneficência, como o Seminário Dom José (que deu origem à UVA), os colégios Sant´Ana (para moças) e Sobralense (para moços), a Santa Casa de Misericórdia, o Museu Diocesano, o Abrigo Coração de Jesus (para idosos), além de veículos de comunicação como o jornal Correio da Semana (jornal mais antigo do Ceará em atividade) e a Rádio Educadora de Sobral.

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