Erosão destrói falésias no litoral de Canoa

Aracati Se há uma peculiaridade na paradisíaca praia de Canoa Quebrada são as suas falésias, paredões de areia vermelha que se apresentam de frente para o mar e dão relevo à praia. Mas se há um problema no tão conhecido lugar é o fim praticamente anunciado dessa beleza natural, uma formação rochosa considerada rara e que levou milhões de anos para ser construída. A erosão provocada pelas águas da chuva, o tráfego de veículos, drenagem mal feita e construções irregulares colocam em risco não só a vida da praia, mas de seus moradores e frequentadores. O Ministério Público quer intervir, a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) alerta para degradação (mas licencia obras em cima das falésias), a comunidade e os turistas reclamam, políticos sugerem, mas de concreto, até agora, só a degradação do que ainda faz o cartão-postal de Canoa Quebrada.

A praia de Canoa Quebrada bem que poderia ser chamada de Canoa Alta e Canoa Baixa. Na primeira, a vila e as pousadas e prédios que compõem o lugar; na segunda, escadarias a baixo, a praia propriamente dita, com as barracas, banhistas e vendedores ambulantes. Entre um e outro, uma verdadeira muralha vermelha, vista em pouquíssimos litorais do País; entre eles, a Costa Leste do Ceará.

As falésias ou paleodunas são formações rochosas sedimentares formadas há milhões de anos, de acordo com a geógrafa Karina Sales, do Núcleo de Articulação e Unidades de Conservação da Semace. As falésias de Canoa estão situadas em uma Área de Proteção Ambiental. A APA de Canoa foi regulamentada em março de 1998, abrangendo uma área de 6 mil hectares, que vai de Porto Canoa até a foz do Rio Jaguaribe. No meio estão cerca de 5 mil pessoas nas comunidades de Cumbe, Canavieira, Estevão, Beirada e Canoa, além de manguezais, dunas, praias, picos e, claro, as falésias. Na teoria, pertencer a uma APA significa ressalva de respeito com os recursos naturais e a unidade social da comunidade que lá vive. Nada de construções irregulares e ocupação desordenada. Mas, na prática, o título de APA só serve para esclarecer que o homem continua a degradar aquilo que deveria proteger. Não há evidência de que mudou o comportamento antes e depois da implantação da lei.

Construções
A Prefeitura Municipal de Aracati é a responsável pela APA de Canoa, mas nas construções prediais na encosta superior das falésias há também uma placa de licenciamento ambiental da Semace. De forma análoga ao que acontece na APA de Angra dos Reis (RJ), as construções são justificadas pelo potencial turístico, econômico, de geração de emprego e renda para a comunidade, elementos teoricamente muito mais evidentes do que o potencial também para um deslizamento de terra, logo obscurecido. O problema é que as falésias de Canoa Quebrada desabam constantemente, e há o risco de deslizamentos de encosta tal como ocorreu nos morros de Angra, que mataram várias pessoas em janeiro.

Alguns anos atrás, em Canoa, foram embargadas pelo Ministério Público obras irregulares. Foram constatadas construções acima da altura permitida e situadas praticamente em cima da falésia. Mas as licenças concedidas pela Semace ainda são um dos principais recursos em defesa da continuidade de certos empreendimentos, que acabam sendo concluídos apesar das irregularidades.

As comunidades da praia reclamam, protestam, pedem uma solução. Estão representadas no Conselho da Área de Preservação de Canoa Quebrada. A última reunião para discutir os problemas foi cancelada, em janeiro do ano passado, porque só compareceram Francisco Edivando Ferreira, o "Louro", presidente do Conselho Comunitário, e Tércio Vellardi, ambientalista da ONG Recicriança. Sem representantes das instituições públicas, sem quórum, não há reunião de um conselho praticamente desativado. A inércia também atinge o Conselho de Defesa do Meio Ambiente (Condema) de Aracati, que não tem realizado encontros desde 2009. Curiosamente, este município recebeu a comenda Selo Verde, nos últimos dois anos do programa.

Não são poucas as razões para a erosão nas falésias de Canoa Quebrada. A geógrafa Karina Sales aponta o intemperismo físico, causado por ventos, exposição ao sol, chuvas; e o químico, por meio da vegetação e dos animais. Mas a ciência entra em consenso com o cotidiano de quem mora no local quando outro elemento causador é mesmo o "bicho homem". O trânsito de veículos pelas dunas e ousados estacionamentos em cima das falésias têm provocado aberturas nas paredes rochosas e verdadeiros desmoronamentos. Isso vale tanto para os buggies pilotados a trabalho por ex-pescadores quanto para os veículos tracionados "off road", nas mãos de turistas, que conhecem menos ainda os riscos de um trânsito impróprio sobre dunas e falésias.

Outra razão para erosão é a proliferação de "luas e estrelas" esculpidas nas encostas das falésias. O que começou com algum insensato é seguido por outros egocêntricos que adoram deixar seus nomes ou desenhos para apreciação dos turistas. Outro problema são os grandes telhados e a impermeabilização do solo, que fazem as águas das chuvas se fortalecerem antes de encontrarem as areias fofas, que formam este tipo de falésia.

"Tem também o aumento do nível no mar, pois em outubro de 2005, a maré alta, junto da lua cheia e a formação dos maceiós (bancos de areia), levou mais de seis metros de falésias da região monitorada em dois dias", diz Tércio Vellardi, ambientalista do Recicriança, da Vila Estevão, e que desde 1998 monitora a redução das falésias de Canoa. Nos últimos 12 anos perdeu-se aproximadamente 13 metros de largura de falésias, que levaram milhões de anos para serem feitas.

IMPACTO
Degradação provoca as "voçorocas"

Aracati
 A geógrafa da Semace,Karina Sales, explica que as falésias são mais expressivas nas regiões entre Beberibe e Aracati, extremamente raras e de grande fragilidade. "Quando há intensa movimentação de pessoas, implantação de equipamentos, placas, atividades turísticas ou comerciais há interferência direta nessa formação rochosa. A erosão leve no solo, quando abre pequenas fendas, estas recebem o nome de ravinas, que, quanto maior a degradação, maior a abertura, que passa a receber o nome de voçoroca". É o que se constata em Canoa Quebrada.

O secretário de Infra-Estrutura e Urbanismo de Aracati, José Gonçalves Filho, o "Zé Crente", reconhece que a erosão mais recente em Canoa Quebrada é grave. Porém, ressalva: "Estamos elaborando um projeto para ver se resolvemos alguma coisa. Está sendo pensada uma escadaria onde existe o buraco, que eu acho que foi causado tanto por falha no planejamento de drenagem quanto a ação das fortes chuvas do ano passado", afirmou o secretário.

Por telefone com a reportagem, o deputado federal José Guimarães afirmou que existe a possibilidade de incluir as obras de drenagem de Canoa Quebrada no Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2). "Só que antes é necessário justificar no papel a relevância da obra, para depois pressionar por sua inclusão, mas não estou garantindo nada".

Liminar

Em junho de 2009, o Ministério Público do Estado entrou com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar contra o Estado, o município de Aracati e 19 barracas de praia por estas estarem junto às falésias.

Segundo o documento, as barracas "sujeitam os frequentadores e trabalhadores a graves riscos à incolumidade física e mesmo risco de vida, uma vez que as falésias estão sofrendo processo de erosão/assoreamento pluvial.

Os promotores relataram o desabamento de falésias na praia de Canoa Quebrada no carnaval de 2009, vitimando três pessoas. Os donos de barraca ressaltam que suas instalações são instrumento indutor do turismo, mas não descartam a possibilidade de ser escolhido outro lugar, fora das falésias.

Os processos naturais influenciam a erosão das falésias de Canoa Quebrada, mas o erro no sistema de drenagem em obra do "Plano de Requalificação Urbana de Canoa Quebrada", do Governo do Estado, possibilitou em algumas semanas o nível de erosão pluvial que poderia demorar anos. Um rombo abriu-se perto da estrada que liga a vila Estevão à comunidade de Canoa. A correnteza seguiu caminho, abriu uma enorme fenda em uma falésia, aumentando o risco de acidentes.

A comunidade apelidou jocosamente de "buraco do Expedito", em alusão ao prefeito municipal de Aracati, apesar de ter sido uma obra realizada pelo Governo do Estado em 2002, que não teria avaliado corretamente o volume de águas pluviais e direcionou o escoamento para uma região que dá acesso à comunidade de Estevão. Em 2002, uma empresa de arquitetura e urbanismo, que não foi localizada pela reportagem, teria elaborado o projeto de drenagem para o Prourb. O projeto de escoamento das águas pluviais na área sempre foi motivo de desconfiança.

Fique por dentro
Formação milenar
As falésias são também chamadas paleodunas. Formadas há milhões de anos, muito tempo atrás podem ter sido dunas, que foram passando por processos de solidificação e agregação dos sedimentos. São constituídas de um minério chamado sílica, que tem uma propriedade "cimentadora", com a capacidade de unir esses sedimentos, formando verdadeiros blocos. Há vida nas falésias, por micro-organismos e alguns tipos de vegetação associada aos tabuleiros litorâneos. O local serve de nicho ecológico para pequenos roedores, anfíbios, lagartos, cobras e outros animais de pequeno porte, que são abrigados por aquele ambiente. Toda falésia deve ser considerada Área de Preservação Permanente.

Divulgando uma Ótima banda do Ceará, Mafalda Morfina...