Das canções volantes

"Perambulando", o nome de um choro de Edu Lobo, pode representar bem a música do grupo Breculê que lança hoje, no TJA, seu primeiro CD, "Vidas Volantes"




Perambulando. Lirismo de várias frentes. Meio choro, meio samba, meio MPB de outras boas cepas universais. O choro "Perambulando", de Edu Lobo, parece dar o tom das impressões musicais de "Vidas Volantes", álbum de estreia do grupo Breculê: lírico, melancólico, de um sentimento que se espraia entre as notas e os versos talhados feito os paus das canoas, os grãos das dunas, as vidas volantes que se encontram. O lançamento acontece hoje, às 19h, em apresentação gratuita no Theatro José de Alencar.



Foi no Lago Jacarey, ali nas proximidades da Cidade dos Funcionários, que a cidade começou a respirar as canções volantes do Breculê. Isso em setembro de 2007, quando o septeto participava de um projeto chamado Cine Cururu. "Foi muito legal porque a gente ainda estava só ensaiando, e aí o nosso amigo, o Felipe, falou sobre o projeto, unindo filme e música. E aí eu sou de lá, o Fabrício também mora por lá, a gente bebe por lá", conta Pedro Fonseca, vocalista, compositor e violonista. Hoje a formação é completada pelo tal vizinho, Fabrício da Rocha (violão, vocais e composições), Fábio Marques e Túlio Furtado (percussão e voz), Igor Caracas (percussão e bateria), Milton Ferreira (baixo) e Jordão Nogueira (trompete e gaita). Pedro e Fabrício se revezam nos vocais. "Estamos vendo se colocamos um piano. Ele caiu muito bem no nosso som".



Pedro estuda música na Berklee College of Music, de Boston, e voltou no começo de 2007. "Penso em voltar para terminar o curso ainda, estudar orquestração", diz. Fazendo paralelo da sua música, ele comenta Chico a Argonautas. "Eu particularmente curtia muito reggae, rock. Música brasileira só com uns 16 anos. Aí fui desenvolvendo as harmonias. Edu, Chico são referências totais, mas também escutei muito jazz, choro, os amigos do meu pai [o cantor e compositor Amaro Penna]. E aí teve esse casamento com o piano da Yuiko, que maturou bem. E a gente já fez show com Argonautas, no Mocó Estúdio. A gente gosta muito. Conheci a galera depois que voltei".



Em 2006 e 2007, músicas como "Bem-Te-Vi" e "Breculê" haviam parado no Festival de Inverno da Serra da Meruoca, nas vozes de Marissol Albano e de Fabrício. A banda marcaria presença por Sobral em 2008, cantando "Vai que a vida quer levar". Sim, mas o que é Breculê mesmo? "Cada qual tem a sua versão do quê que é. Eu costumo, de vez em quando, dizer que era um navio cheio de instrumentos musicais que foi de presente do rei da Pérsia pra o Rei da Grã-Bretanha e naufragou perto de Cabo Verde (risos). Mas na verdade é um nome que veio na letra do Fábio, a gente gostou do nome e ficou".



Tem a ver com os neologismos, com as línguas inventadas para dar conta da sonoridade poética da turma. Onde ritmos e palavras se embrenham por soluções fora dos lugares-comuns, das tradições acústicas.



Parte das referências foi compartilhada inicialmente com o baixista Klaus Sena e com a pianista Yuiko Goto, japonesa que Pedro conheceu em Boston e que chegou a residir em Fortaleza. "Eles participaram de algumas faixas". Canções que, ao melhor espírito de nomes como Chico Buarque, Djavan e Edu Lobo, frequentam momentos mais intimistas, de burilados transes harmônicos, com outros mais animados, moderadamente. Há até um pouco de Los Hermanos no som dos caras, sobretudo nos metais e vocalizações de "Anauê Exu!" (Pedro Fonseca/Lucas Carvalho). "Quando saí, era só ´Ana Júlia´... Depois que vi que eles tinham desenvolvido esse caminho, mas não tem problema associar não. Talvez seja alguma influência do Lucas, mas ela é bem antiga".



As considerações do grupo foram se desenvolvendo em eventos como a Mostra Petrúcio Maia, o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga, Mostra Sesc Cariri de Artes e o projeto Direção Musical, do José de Alencar. Na apresentação de hoje, com direito a temas além dos presentes no disco, a interação com a música cearense será exemplificada através das participações de Thiago Almeida (piano), Pedro Oliveira (1º violino), Mário Eliezer (violino), Inácio Saldanha (viola), Juliana Aragão (violoncelo), Giltácio Santos (clarinete e saxofone).



"A gente vai estar também trabalhando com a cenografia, a iluminação, projeções audiovisuais. Acho importante porque a gente tem que trazer a mágica do teatro pro palco. Não que seja circense, teatral, mas procuramos fazer um espetáculo bem direcionado na estética da iluminação, que seja bem a ver com a nossa identidade. Acho que isso tudo traz uma mágica a mais para a coisa".



A duna e a festa já vêm



Chamando o vento, ao melhor espírito de Dorival Caymmi, a faixa-título do primeiro disco do Breculê tem, entre parêntesis, "Duna". Excelente analogia com as canções que compõem o projeto. Entre um piano, um trompete, um violão e uma percussão leves, a poesia e uma das vozes do grupo temperam uma cantiga mais bucólica que melancólica e, portanto, mais próxima da linguagem de Edu Lobo que das canções praieiras do velho compositor baiano. Entre o erudito e o popular, as dunas sambam à calmaria dos mares, coqueirais e céus azuis. Apenas alguns elementos da canção de Pedro Fonseca e Fábio Marques, inspirada no filme "Vilas Volantes - o Verbo contra o Vento", de Alexandre Veras.



Feito uma caixa de música aviolada, "Réquiem para a infância" (Fabrício da Rocha/Pedro Fonseca) é outro grande momento da estreia do Breculê. Valsa-acalanto das alegrias dos tempos de criança que, acentuando a cearensidade no "pastoreio", espalha a belezura de afagos e outras sensações maternais, ao lirismo das serestas feito a "No Tempo dos Quintais" de Sivuca e Paulinho Tapajós. "Sem me perceber/o assobio pairando/quieto em sonho ando". Na mesma linha, "Bem-Te-Vi" (Pedro Fonseca/Fábio Marques) voa mais esparsamente pelas orlas e esquinas, atualizando, cinematograficamente, ao canto de Pedro, nossa fauna musical avoante que vai de Patativa do Assaré a Fagner e, claro, Humberto Teixeira.



As faixas vão mais ou menos alternando as mais animadas com as mais "intro", mas vamos fechar esta parte falando de "Lágrimas do Tempo" (Pedro Fonseca/Lucas Carvalho/Klaus Sena/Fábio Marques), "Alma Partida" (Fabrício da Rocha/Pedro Fonseca) e "Vai que a vida quer levar" (Fabrício/Fábio/Pedro). Entre cordas e cabaças, a primeira espalha obtusidade, neologismos, antropofagia trava-linguística tomzeneana lírica. Depois, o clarinete e o violão dão um pouco mais de suavidade à canção de estrutura também complexa, com o canto de sereia de Fabrício a "confundir, ludibriar", apesar da levada mais prosaica de alguns momentos, inclusive a remeter a um Djavan. Mas é difícil desfazer a primeira impressão. Mais coesa e inteligível à primeira vista, "Vai que a vida quer levar" é outra bonita canção, a belo arranjo de piano e cordas, na melhor linhagem de Tom Jobim e Djavan, com Fabrício e Pedro alternando-se aos vocais.



A marcar as mudanças de rota, o arranjo de percussão de "Anauê Exu" e as versões instrumentais, nem sempre comportadas, entre metais, violões e piano. Em outras faixas, são os harmônicos do violão que ganham mais espontaneidade. Caso de "Samba do Lago" (Fabrício da Rocha/José Leite Neto/Fábio Marques), dos domingos na rede, da cachaça. Desfeito de qualquer embaraço, Fabrício leva seu samba ao encontro do choro e da gafieira sem cerimônias. Os harmônicos, como o de um sete cordas, também tomarão depois "Barruada Gá-Gá" (Fabrício da Rocha/Pedro Fonseca/Fábio Marques). Um samba-choro ambientado numa mesa de bar, e também quase com direito a outros trava-línguas. No começo, "Breculê" (Pedro Fonseca/Fabrício da Rocha/Fábio Marques) é mais batucado, quebrado. Como os versos. Como o frevo "D´ela", invocado nos neologismos e nos ritmos sincopados... Ao piano! Mas sem deixar de lado as caixas, os violões, uma festa. Pra ninguém esquecer o que é Breculê: dunas, festas, o que pintar.



MPB

"Vidas Volantes"

Breculê

R$ 15,00

14 faixas

Independente2010

Lançamento hoje, às 19h, no Theatro José de Alencar. Grátis. Contato: 3101-2583.

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